Uma leitora muito gentil, embora bastante agoniada, pede-me
que explique aqui neste espaço - e ela está com pressa, tentativa de diminuir o
sufoco - a diferença comportamental entre desistência e renúncia, já que se
debate entre essas duas posturas, diante de um ato praticado recentemente em
relação a um sonho profissional em favor da família, marido e filhos.
Pensei muito na resposta a ser dada durante o fim de semana,
menos por desconhecer a diferença que me parece clara e mais por analisar as
desistências que tive na vida, muitas sob a desculpa de renúncia e...confesso,
não foi nada confortador rever os engodos.
Renunciamos sempre
que abrimos mão de algo que até dominamos, que talvez nos pertença, sobre o que
temos controle em nome de uma causa maior, de um benefício a ser proporcionado
ou para evitar um conflito com conseqüências, talvez, mais desastrosas, do que
o nosso ato de abrir mão.
Para que haja
renúncia é preciso, antes de tudo, consciência: para colocar na balança os prós
e os contras, para assumir possíveis frustrações e para que se avalie sem
vitimidades ou autopunições, o que quanto o ato pode nos compensar, mesmo que
aparentemente nos prejudique.
Um fator é fundamental para que a renúncia valha a pena: não
ficar culpas, principalmente a pior delas, a que massacra uma pessoa e joga a
autoestima ao chão: a terrível culpa de ter traído a si mesmo. O que é, no
mínimo, imperdoável em termos de individuação e considerando o que sempre
afirmo de que o primeiro compromisso que temos na existência é conosco.
Já a desistência
tem o tom do fracasso, da falta de autoconfiança, da derrocada de qualquer
atitude ousada e livre, porque faltou seguir um pouco mais, insistir, ter
firmeza para não trair os desejos. Ah, os desejos! Como deveriam ser sagrados e
como acabam desprezados pelas regras atuais de conduta, pelas fórmulas prontas
de agir dos manuais de autoajuda, pelas ofertas vindas do mercado antes que se
tenha a identificação da ânsia, confundindo e prejudicando. O pior de tudo é se
acostumar a isso e acabar desistindo de desejar.
Para os que já não
se enganam tanto ou não ocupam o tempo precioso de suas vidas com futilidades,
a lembrança das desistências traz um gosto amargo, uma sensação de fracasso e
perda. Um círculo vicioso macabro que nos recorda que, provavelmente,
desistimos, para evitar a dor do malogro, para nos proteger, para não dar de
cara com a dura realidade de ter tentado e não conseguido. Só que com isso,
entramos no amargor da autotraição aos ideais, aos sonhos, ao que realmente
poderia definir e significar o que somos.
O jeito é partir
para a negociação, sempre que possível, adiando, re-significando, dando outro
tom para a voz decisiva, adaptando. Como é inteligente a adaptação, esse
aprender a conviver com o que não escolhemos, mas está à frente, pressionando,
exigindo! Renunciar só em casos extremos, desistir quase nunca;
soluções negociadas, por favor, e principalmente reinvenções.
Para que não fique,
ao final, apenas o sentido da autoinfidelidade e sim, o doce carinho de nos
termos dado a mão e o abraço. Se não fizermos isso por nós, quem o fará?
Luiz Alca de Sant'Anna
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